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sábado, 31 de dezembro de 2011

Feliz Año Nuevo!


Família e amigos, hola!

Este é um post diferente - não é a atualização tradicional. É só um desejo de um excelente 2012 para todos, cheio de alegria, saúde e paz. Neste momento, 20h30 do dia 31, estamos num albergue em El Chaltén, ao lado de um dos parques mais famosos da Argentina - é bem bonito. Amanhã faremos uma caminhada leve por aqui - depois contamos tudo, com as fotos.

Beijos e abraços,

Ge, Fran, Lili e André.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Give me five, dinossauro!   
Dia 8 29/12/2011 Os pinguins de Punta Tombo

O planejamento era dormir em Trelew, mas, com mais ticos e tecos funcionando, chegamos à conclusão que o meu roteiro original não fazia sentido: Punta Tombo, a atração do dia estava mais ao sul, e, no dia seguinte, continuaríamos a nossa rota para o sul. Então decidimos fazer o museu paleontológico Egidio Feruglio, partir para Punta Tombo e dormir em Comodoro Rivadavia (e não precisar voltar novamente para Trelew).

O museu Egidio Feruglio é um dos melhores do mundo na sua especialidade – a Argentina permanece um sítio arqueológico privilegiado de fósseis de dinossauro. É uma atração similar aos museus europeus, com iluminação arquitetada para o suspense, trilha sonora que imita os sons dos dinossauros (bem, aquilo que se imagina que seja o som de um dinossauro, se é que eles emitiam sons), filmes projetados e, claro, muitos esqueletos armados – a principal atração. Curiosamente, o maior dinossauro já encontrado no mundo está aqui e, naturalmente, o patriotismo hermano não deixou por menos – é o Argentinossauro; se acharem um ainda maior, desconfio que será o maradonassauro. O nacionalismo transborda em tudo – a bandeira do país está em todos os cantos; no Brasil, só os gaúchos são similares.
 
A marcha dos pinguins de Punta Tombo.
 

Museu percorrido, partimos para a principal atração do dia: a maior pinguineira de pinguins de Magalhães do mundo – cerca de 500.000 bichinhos – Punta Tombo. Eu e a Fran estivemos aqui em janeiro de 2005 e o lugar mudou bastante: há um centro de recepção de visitantes, um museu que explica tim-tim por tim-tim o que é um pinguim, e uma van que leva os visitantes até a beira do mar. Antes, tudo era bem mais precário e estacionávamos o carro do lado da reserva. Além dos pinguins, há guanacos, chicos (um hamster patagônico), emas e gaivotas aos montes. Há tantos pinguins que o lugar chega a feder. Eles estão no meio das passarelas, tomando sol na praia, pegando jacaré – é espetacular e divertido. O pinguim é uma ave gauche da vida, anda torta, não voa, desajeitada, um pouco como nós.

Chegamos em Comodoro Rivadavia, um dos pólos de extração de petróleo da Argentina, próximo das 22h, isto é, ainda de dia. Penamos para encontrar um hotel que coubesse no nosso bolso e não fosse um pulgueiro patagônico. E saímos para tentar jantar. Eu já havia lido blogs de viagem que comentavam que Comodoro Rivadavia era um buraco, uma Almirante Tamandaré do fim do mundo, o verdadeiro fim do mundo. Mas não tinha idéia do tamanho do fim do mundo. À meia noite, foi difícil encontrar alguma coisa decente aberta para uma refeição digna – depois de quase uma hora de caminhada, tivemos de nos contentar com um posto de conveniência 24h. Estranhamente, a cidade estava bem movimentada (não é pequena, tem 140.000 habitantes) – a pergunta é: para onde ia todo aquele povo nas calçadas e nos carros barulhentos se quase tudo estava fechado? Feia, sem graça, Comodoro Rivadavia tem um jeitão de cidade mal encarada, parece que saiu de algum filme do Tarantino. O museu da cidade, isto não é uma piada, é o museu do petróleo, tão sem graça que não tem nem estrela nos guias. E, como porto, não foge à regra: puteiros aos montes, desproporcional para o tamanho do lugar, todos com luzinha vermelha na fachada. As mulheres das ruas têm cara de pistoleiras e os homens têm testosterona saindo pelas orelhas. Parece curioso, algo que poderia interessar a um sociólogo, mas o charme é zero, acredite. Existem lugares que você pode ter certeza de que nunca serão interessantes, nem no passado nem no futuro – Comodoro Rivadavia é assim. 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011


Dia 7 28/12/2011 Mergulho com lobos em Punta Loma

As pessoas que mais nos conhecem, ao longo da vida, são os nossos irmãos. Eles convivem mais tempo conosco do que cônjuges, filhos e pais. Isto pode ser especialmente útil em uma viagem, quando, por exemplo, alguém com dificuldade em acordar cedo precisa despertar. Chamo a Fran daqui, empurro dali, engrosso a voz para um “Francis Hellen Haisi está na hora!”. Nada, só a paz depois do dia da agonia – a descrição de Borges para a plenitude mansa do mar. A Lili, que convive com isto há 32 anos, só observa a minha incompetência. E diz com a autoridade e o verdadeiro prazer de anos de sacanagem caprichada que toda infância reserva entre os irmãos: coce o nariz dela. Eureca! Incrível descoberta! A viagem já valeu a pena.

Às 8h30, o Fernando (mais um guia Fernando – é o terceiro em nossas viagens) nos busca com sua caminhonete até o escritório da Abramar, uma das empresas que opera o mergulho em Punta Loma, a loberia próxima de Madryn. Nós já fizemos mergulho com snorquel antes, mas no Brasil, em águas quentes. Aqui, para fazer a mesma coisa, só com roupa de neoprene – a água aqui está mais para a temperatura da antártica do que dos trópicos.

Marinheiro de primeira viagem, me atrapalho todo com a tal roupa de neoprene, um macacão apertado, emborrachado, feito para água e que em terra significa aprender a andar de novo. Vou sem calção de banho por debaixo da bermuda, o que significou ter de entrar numa portinha de madeira, ficar de cueca, sozinho numa salinha escura, para a minha troca de roupa. Perdi a preciosa orientação da Natália, nossa instrutora do mergulho. Está do avesso? Está do lado certo? Socorro. Natália me passa um saco plástico, como é que é, demoro a entender: vista o pé, deslize as pernas na aspereza do neoprene. Macacão, jaqueta, bota, capuz – me sinto ridículo, mesmo na Sapucaí me sentiria ridículo. Último da turma, corro como pinguim para a praia, onde as três meninas poderosas me esperam há tempos.

Natália pilota a nossa lancha até a loberia.

O percurso de lancha até a loberia é rápido – em vinte minutos já avistamos os bichinhos. E de muito mais perto que na Península Valdés, onde todos os acessos são controlados – as passarelas não permitem uma aproximação muito grande com os animais. Recebemos as instruções da Natália. Podemos tocar nos bichos? Pode. Eles mordem? Sim, mas somente aquilo que a boca deles consegue dar conta – por isto, devemos ficar com as mãos fechadas, do contrário teremos um dedo decepado. Mas, peraí, eles são como lobos? São dóceis, normalmente somente as fêmeas e os filhotes se aproximam. Se acontecer de um macho aparecer, devemos não brincar com os animais.

Entramos na água. É fria – as mãos, desprotegidas, sentem antes. A Fran e a Lili, que estavam preocupadas, não sabem nadar, flutuam com a roupa de neoprene. Máscara, snorquel, respirar pela boca, pé de pato, fecha a mão – a Fran se atrapalha um pouco até entender a mecânica e, no aprendizado, quase afoga a Lili (atenção pais: elas sobreviveram). Cansa um pouco, temos que seguir a instrutora, bate pé de pato, tira a água que entrou no snorquel. E então ficamos 40 minutos esplêndidos no mar.

Natália nos ensina uma técnica – o focinho de um leão marinho é sensível ao toque. Com uma das mãos, fechadas, entretemos o focinho, com a outra, podemos acariciar o couro aveludado. Eles são curiosos, brincam como cachorros – se tivesse um pedaço de pau, ia pedir para buscar. É tão espetacular, tão inacreditável, tão diferente, que os 40 minutos passam como cinco. O passeio acaba e foi todo filmado e fotografado pela Natália (clique no clip acima para ter uma idéia do que passamos – somos nós que estamos no filme).

É só o sinal de OK dos mergulhadores. Ninguém está com raiva de mim, aparentemente.

 Voltamos para o hotel na hora do almoço e a Fran desmaia – o dramin para evitar o enjoo da lancha faz efeito três horas depois. Por sorte, a Fran não enjoou durante o passeio. À tarde, alugamos bicicletas e andamos por toda a orla de Madryn, até o Ecocentro, em um pôr do sol à altura do nosso dia.

Ecocentro, nosso destino do passeio de bicicleta.


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Futuros Messis e Maradonas treinam na orla de Puerto Madryn.
 
 
Dia 6 27/12/2011 A Península Valdés

A península Valdés é uma espécie de Disneylândia de biólogo. Tem baleias (não para nós, a temporada aqui acabou e infelizmente já voltaram para o sul), lobos marinhos, elefantes marinhos, pinguins, zorros, rica diversidade de pássaros, guanacos, tudo concentrado em uma área relativamente pequena.

Há um pequeno vilarejo, Puerto Pirámides, com uma praia longa (não se compara com as brasileiras) e um centro comercial que atende as demandas dos turistas – lojinhas e comilança.
 
Mamãe pinguim e bebê.
 

O passeio é longo – cerca de 400km, quase tudo em estrada de rípio (pedregulhos) – e preferimos contratar um guia para o passeio. Fernando no buscou às 8h da manhã no nosso hostel e passamos em mais outro para o embarque também de Jun, um engenheiro civil japonês em férias na Argentina. Juntos, em cinco pessoas, percorremos os pontos turísticos em cerca de 10h. 
 
Paella de frutos do mar e cordeiro patagônico. Acredite, é muito bom.
 

À noite, finalmente, o primeiro cordeiro patagônico. É o tipo de comida cheia de lendas, mitos, superstições. Mas a história principal parece fazer sentido: o pasto da patagônia, uma região semidesértica, é completamente diferente do pasto da área de Buenos Aires. E a carne, mesmo sendo de carneiro, é incrivelmente suave. A iguaria foi experimentada de duas formas diferentes na Parrilla Estela: grelhada na parrilla e em uma paella, com frutos do mar. Parece esquisito misturar carne de carneiro com frutos do mar, mas ficou espetacular.

Janta pronta, hora de passar no supermercado para comprar uma cervejinha. Alguém especial estava chegando com sede: a Geísa entrou oficialmente na expedição a partir de 23h do dia 27, a partir de um voo até Trelew.

Loro Barraquero patagônico

Paredão da loberia de Viedma



Dia 5 26/12/2011 A Patagônia

A medida de longe e perto vai mudando quando estamos na estrada. Tudo é relativo. Sabe aquela cara de espanto que os europeus fazem quando dizemos que uma viagem de 700km (por exemplo: Curitiba a Foz) é curta para nós? Então. Depois de tiros de 1.000km, um dia de 460km é como dar a volta no quarteirão do bairro.

Resolvemos nossa tecnologia de bordo na saída de Viedma e partimos. Por tecnologia de bordo, entenda-se: tirar o gelo artificial do congelador da cozinha do hotel e levar para a bolsa térmica (gelo artificial são cubos plásticos com gel dentro, muito práticos – a Tok Stock e farmácias têm; é melhor do que a geladeira de carro, que costuma arruinar a parte elétrica – no ano passado, perdemos o nosso farol por conta disto); ajeitar os travesseiros de pescoço (sim, é possível dormir na estrada); programar o próximo destino no GPS; comprar água e alguma porcariada para comer no posto de gasolina; ler o que os guias de viagem dizem sobre o próximo destino (estamos levando: guia YPF, que tem mapas excelentes e boas dicas gastronômicas – é o guia 4 rodas da Argentina; Lonely Planet em PDF – são os clássicos do mundo mochileiro, a penguin books do turismo alternativo, agora em versão para notebooks e celulares; Fodor´s, que é o Lonely Planet de quem já fez 30 anos, agora tem plata para gastar mais do que um misto quente e se importa se o hotel tem pulgas ou não; guia 4 rodas, para a saída e volta no Brasil; e o mais importante de todos, o guia YPF de vinhos argentinos).

O destino do dia era Puerto Madryn, mas, antes, havia uma atração próxima – uma loberia, uma espécie de estacionamento de lobos marinhos. Não me pergunte a diferença entre leão marinho, lobo marinho, elefante marinho, morsa, leopardo marinho, foca e lontra – sempre fui péssimo em biologia; até o final da viagem eu devo saber quem é quem e há esperança para mim – depois de duas viagens ao noroeste da Argentina, a muito custo, consegui aprender a diferença entre alpaca, vicunha, guanaco e lhama. Infelizmente, a loberia estava fechada, em reforma, mas, na estrada de acesso, pudemos conhecer o loro barrequero. São as araras da patagônia – havia tantos, centenas, milhares, que o som chegava a nos intimidar. E num lugar paradisíaco, um paredão de não menos do que 30 metros, ao lado do mar. Digamos que foi o cartão de visitas da natureza selvagem da patagônia.

Seguimos até Madryn em uma estrada plana, reta, com muito vento. E, novamente, de modo similar às nossas outras viagens por aqui, por um motivo que ainda estamos tentando descobrir, há problemas de distribuição de combustíveis na Argentina. Em Serra Grande, chegamos com o tanque na secura total, coração aos pulos, para abastecer com a gasolina subsidiada da Patagônia, região grande produtora de petróleo – cerca de R$ 2,00 o litro. Antes, pagamos combustível até mais caro que no Brasil, a inflação está a bolsos vistos na Argentina. Os postos estavam com filas e a irritação dos Argentinos, com a situação, é notável.

A chegada em Puerto Madryn é hollywoodiana: uma baixada ao lado do mar, em que se avista o porto e a orla da cidade. Escolhemos nosso hostel, malas desembarcadas, hora de explorar um pouquinho a cidade. Nove da noite e ainda com luz de quatro horas da tarde – a latitude estende a luz do dia e a partir de agora não teremos mais sol a pino, o astro rei não abandona mais uma certa altura do horizonte.
Jantamos no Nautico, um restaurante apinhado de turistas europeus (Madryn é paraíso ecológico de fama mundial), e, depois de um badejo espetacular, na lista do Top Ten das minhas viagens – segui a dica do garçom e não me arrependi -, finalmente o sono dos justos e a expectativa para conhecer a Península Valdez no dia seguinte.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Erva Mate Andresito, recomendo!

Dia 4 25/12/2011 Dia perfeito na estrada

Depois dos mais de 1000km traumatizantes entre Puerto Iguazu e Rosario, estávamos apreensivos para nossa próxima puxada: Rosario a Carmen de Patagones, 1064km. Acordamos cedo no Hotel La Paz. É um edifício antigo e a família cuida do empreendimento desde 1948 – fotos em preto e branco nas paredes do hall lembram os tempos de ouro do La Paz, época em que artistas e boêmios freqüentavam o pequeno e elegante restaurante com piso quadriculado de granito e móveis em madeira escura. O hotel, de certa forma, retrata um pouco do que aconteceu com a Argentina – o país não cresceu como o Brasil nos últimos anos, e isto se vê em muitos lugares e detalhes em que o tempo parou. E parou em um bom momento, a Argentina era um país próspero, que corria o risco de dar certo - cidades como Rosario mostram isto a cada esquina. Hoje, tudo é muito diferente. Há certos itens de consumo, banais no Brasil, que são raros no país vizinho – só hotéis caríssimos tem box de vidro e frigobar. É também bem comum os hotéis ainda preservarem os elevadores antigos, com a treliça retrátil de ferro. De qualquer modo, se no consumo estamos em vantagem, na educação, a Argentina ainda está a quilômetros de distância. Cidades pequenas têm mais livrarias, bibliotecas e bancas de revista que as similares brasileiras.

Malas prontas, novo bagageiro de teto armado, saímos de Rosario com céu azul-bandeira-da-Argentina. E vencemos os 1064km em 11h – quase a metade do tempo do que fizemos no difícil segundo dia de viagem. Agora sim pudemos transitar naquilo que conhecemos bem: estradas vazias, retas, em bom estado. Média de velocidade, durante o trajeto, de 100km/h, excelente. 

Chegamos em Carmen de Patagones no final da tarde. Mas desistimos de pernoitar neste primeiro portal da Patagônia: há pouquíssimas opções de hotéis e elas não são boas. Preferimos cruzar o rio Negro e pernoitar do outro lado da margem, em Viedma. Nem Carmen de Patagones nem Viedma são destinos dignos de nota. Ambas as cidades têm uma beira rio arrumadinha, Carmen preserva um pequenino centro histórico, Viedma tem uma vida noturna agitadinha – todos estes diminutivos significam cidades bonitinhas e ordinárias. A gente precisa parar em algum lugar pra dormir e, tudo somado, estes vilarejos são bem melhores que Bahia Blanca, cidade maior e absolutamente desinteressante. De qualquer modo, uma diferença marcante para as cidades brasileiras é que as cidades hermanas cortadas por um rio normalmente têm uma vida muito similar à rotina tradicional do nosso litoral: uma avenida beira rio ajeitada, culinária de pescados, povo na água e povo em frente da água tomando cerveja em guarda-sóis. Paraná, Rosario, Corrientes, Carmen de Patagones e Viedma são assim.

Depois de uma viagem tranquilissima, a noite nos reservou o melhor momento do dia: o primeiro bife de chorizo da viagem. O primeiro bife de chorizo da viagem a gente nunca esquece. Estava do jeito que o diabo gosta: alto, mal passado, suculento e acompanhado de um bom vinho tinto.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Monumento Nacional à Bandeira

Pichação anarquista no Monumento Nacional à Bandeira

Dia 3 24/12/2011 Natal em Rosario

Teremos mais uma passageira a partir do dia 27. A amiga Geísa, o querido anjo cupido meu e da Fran, embarca na jornada a partir de Puerto Madryn. Viajar de carro com mais gente é sempre interessante: mais companhia (isto não é necessariamente bom, um mala estraga qualquer passeio, sorte que a Geísa é do bem), mais divisão dos gastos de pedágio e gasolina, sem contar que é um motorista a mais para o revezamento do volante, recurso imprescindível em um roteiro de mais de 10.000km. O único porém é o espaço – nosso bagageiro está no limite. A mala da Geísa vai caber, mas onde ficarão as comprichtas? Onde levaremos as nossas caixas de vinho e a muamba da zona franca de Ushuaia?

Nosso dia de descanso em Rosario começou com uma missão: resolver o problema da bagagem. Tínhamos duas opções: jogar fora as nossas roupas (usar a cueca mais vezes por semana vale mais a pena do que deixar de levar o vinho) ou comprar um bagageiro de teto. Ficamos com a segunda opção – até porque o bagageiro, assim como quase tudo por aqui, continua saindo mais barato que no Brasil. 

Com a indicação do dono do hotel, chegamos à loja Auto Deluxe. Era pra ser uma compra tranquila. Era. Mas o Fernando, proprietário, fez de tudo para que quase o mandássemos para a santa madre que o pariu. Sujeito confuso, jeito junk de lidar com as pessoas – fala rápida, muda de assunto, atende outro cliente, volta, muda o preço do que havia sido acertado antes, olho estatelado, embrutece quando dizemos que somos do Brasil (mesmo eu argumentando que a Fran torce para a Argentina – não menti), só nos restava a agonia e o cheiro da trapaça.

A operação de colocar o bagageiro no teto, que consiste em apertar quatro parafusos sem chave fenda, exigiu mais tempo e atenção do que lançar um ônibus espacial da Nasa. Mas, depois de muita enrolaração – perdemos a manhã – vencemos o sujeito. E saímos para curtir Rosario.

Assim como na nossa última viagem, Rosario nos surpreendeu positivamente. Não é um destino tradicional dos brasileiros, mas, ainda que não seja um local para passar muitos dias (no final das contas, é uma cidade não muito grande, de 1.200.000 habitantes), vale a pena conhecê-la. São muitos os atrativos: uma arquitetura art noveau remanescente do final do século XIX (quando a cidade era a maior produtora de grãos do mundo, o que acabou trazendo um crescimento explosivo para a região), uma importante zona portuária às margens do Rio Paraná, uma linda avenida costanera (a rambla de Rosario, com inúmeros bares e restaurantes com pescados típicos de rio), e duas ruas de pedestre com ótimo comércio (assim como as demais cidades argentinas, inclusive Buenos Aires, aqui não é o paraíso dos shoppings, mas o do mercado de rua).

Almoçamos no Carlitos, um ótimo restaurante na margem da costanera, em frente a uma prainha em que navios de porte cruzam o tempo todo e jovens musculosos sky-surfeiros (Sky-surf? É aquela prancha arrastada por uma pandorga gigante) se exibem para o  suspiro das mocinhas rosarinas. No Carlitos, experimentamos o Dourado e a Bodega (ambos peixes do rio Paraná) grelhados. Estava excelente, ainda mais com o molho caseiro de chimichurry que o acompanhou (e eis uma descoberta: chimichurry vai muitíssimo bem com peixe também!).

Depois do almoço, andamos pelo centro histórico e percorremos as escadarias do Monumento Nacional à Bandeira. O Monumento, ainda que seja elegante e de arquitetura bem resolvida, é um espaço mega patriótico e ultranacionalista, com dezenas de bandeiras argentinas perfiladas, uma pira acessa com os restos mortais do General Belgrano (o d. Pedro I da Argentina), vigilância de soldados do exército, enfim, o lugar perfeito para um inspirado anarquista desrespeitar a solenidade do mármore bruto e pichar em azul-bandeira-da-argentina “me cago en tu bandera”. Fechamos o passeio com uma caminhada nas ruas de pedestres, com direito ao primeiro sorvete hermano da temporada e a comprichtas para a floricultura da Fran e da Lili. Como o dia seguinte será puxado – mais 1.000km – resolvemos não sair para jantar uma ceia de Natal decente e optamos por comprar um x-salada do bar da esquina do hotel. Bem alimentados, sem festa natalina (o que, convenhamos, é ótimo), desmaiamos.
Fila da gasolina em Puerto Iguazu

Dia 2 23/12/2011 Um dia de cão

É de Thomas Mann uma perspicaz reflexão sobre a relação da memória do tempo com as nossas impressões de mundo. O tempo tedioso demora a passar – mas, a sua lembrança, se ainda presente no futuro, é insignificante. O tempo em que nos maravilhamos é o exato oposto – enquanto o vivemos, tudo é rápido como uma faísca; e a sua lembrança é aquela que fica na memória, persiste, alonga-se. Eu acrescentaria uma terceira categoria: o tempo da memória da tensão, em que o presente nos faz passar por provações. Para o nosso desespero, o tempo marcha muito devagar quando estamos em um dia ruim. E, sabemos bem, este tempo arrastado não se perde: a lembrança é cristalina, persistente, imortal. Dia 23/12 foi assim para a nossa jornada - dia ruim, dia de provações.

Começou com uma boa notícia, que não chegou a se confirmar como bom presságio: ganhamos uma hora - a Argentina não adotou o horário de verão. Acordamos às 7h e eram 6h. Quando descemos para o café da manhã, 15 minutos antes de as copeiras do hostel aprontarem as meia lunas, torradas, dulce de leche e um café forte (que só é forte porque estamos ao lado da fronteira do Brasil – o café hermano geralmente é fraco e ruim), o pessoal nos olhou de cara feia, olha aí a turistada desrespeitando as regras.

Saímos cedinho, mas não ganhamos tempo algum – precisávamos abastecer e, primeiro contratempo, uma enorme fila de carros brasileiros congestionava o posto YPF da saída de Puerto Iguazu. Tudo para ganhar R$ 0,30 por litro (em relação ao preço de Foz) – é o tipo de situação, somada ao tradicional verão de 40° da província de Missiones, em que é fácil o cérebro derreter e você desejar a pior coisa do mundo para a humanidade.

Depois do exercício chinês de paciência (uma hora perdida na fila – sintam pena da gente, estamos carentes), começamos as rutas que margeiam o rio Uruguai com tranquilidade. Dia claro, poucos carros, parecia que iríamos vencer os 1.100km até Rosario com o pé nas costas. Mas, aos poucos começamos a perceber uma operação de guerra. A Argentina montou uma mega ação policial para o Natal. Havia polícia a cada 50km. Surpreendentemente, não foi a polícia que nos incomodou. Novamente, ninguém nos pedia nada ou quase nada. Foram até educados e calorosos! Um guardinha de Ushuaia quase chorou quando dissemos que estávamos indo para lá. A questão, definitivamente, não era a policia. O problema era a razão da polícia estar ali.

Nós nos acostumamos a pegar as rutas Argentinas em dias normais ou excepcionalmente calmos, mas não as datas problemáticas, como a véspera de Natal. E, apesar de ainda muito mais tranquilo que no Brasil, não conseguimos a média de velocidade que pretendíamos.

Para piorar, a partir do meio da tarde e até o destino final, nos acompanhou uma torrencial chuva dos trópicos, com céu iluminado por uma tempestade elétrica e rajadas de vento de envergar as árvores. O volante puxava para a direita – a fúria da natureza nos testava. A pista estava escorregadia, poças de água desafiavam a perícia dos três motoristas do carro, que se revezavam apreensivos. Na tela do GPS, o tempo de chegada ia aumentando sem parar e não havia nada que pudesse reverter o quadro. Cogitamos de tudo: parar em uma cidade anterior; para, descansar e seguir em frente; e, finalmente, a decisão que escolhemos: seguir até Rosario, mas tirar um dia de descanso por lá. Chegamos depois de 18h ininterruptas na estrada, às 2h da manhã na cidade em que Messi e Che Guevara nasceram. E desmaiamos no Hotel La Paz, no merecido sono dos motoristas justos.