Páginas

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Dia 3 – Resistencia – Salta 800km
15/06/14

Acordamos com um pastor na Igreja Universal do Reino de Deus pregando em português. O templo fica em frente ao hotel. Tem a mesma arquitetura jeca dos templos brasileiros. E o templo, como os nosso, é enorme e fica em uma região central. A mesma gritaria: sai, sai, em nome de Jesus. Medo.

Descobrimos que com o câmbio no paralelo, a Argentina está muito, muito barata, estupidamente barata. Nosso hotel saiu por R$ 91,00 – um três estrelas. O país está meio quebrado mesmo, o hotel aceita dólar com o câmbio paralelo sem cerimônia e até abrem um sorriso se oferecemos dólares.

Saindo nas ruas para tirar mais dinheiro, observar o óbvio: copa na Argentina é como no Brasil. Todo mundo vendo todos os jogos em todos os lugares. As vitrines das lojas estão decoradas e as ruas estão mais patriotas do que normalmente já são.

Hoje, de certo modo, é o nosso último dia exaustivo. Viajar para os Andes tem uma fase de purgatório. Os primeiros dias são cansativos, sempre mais de 600km por dia, e praticamente inúteis – nada de interessante para fazer, estradas de segundo time, dormir em buracos. Ainda que eu e a Fran tenhamos simpatia por Resistencia – é uma cidadezinha ajeitada, cheirosinha. E hoje a Fran já estava melhor e dirigiu bastante na estrada – faz uma baita diferença. Definitivamente, não dá pra encarar este tipo de viagem com um único motorista.

Alongamento antes de chegar em Salta.


Salta continua La Linda. Hoje, toda festiva com o primeiro jogo da Argentina – bandeiras em todos os lugares, população de uniforme. E conseguimos trocar pontos de milhagem para o hotel – negócio da China e um belíssimo hotel, o design Salta. À noite, depois do jogo, mortos de fome, saímos para jantar – é pena que a maioria dos restaurantes está fechado. Mas deu pra comer no Doña Salta, um tradicional daqui – a comida estava divina. A Fran comeu aquele bife de Chorizo que só os Hermanos fazem – saiu por R$ 19,00... Eu preferi comida típica do noroeste, uma Cazuella de Carneiro, estava muito boa também. Entrada com as empanadas de carne picada na ponta da faca, típica de Salta. Pra dormir feliz.

domingo, 15 de junho de 2014


Dia 2 – Barracão – Resistencia 600km
14/06/14

A Fran não concorda, mas acho que Barracão é uma cidade que faz jus ao nome. Apesar do toró que caiu a noite toda, dormimos como os anjos no Hotel Província, que, hã, também faz jus ao nome. A Fran reclamou de uns pombos que faziam barulho na janela do banheiro.

Aduana tranquilíssima na saída – bem mais que em Foz – e trocamos o câmbio com um butuca que já estava ali na saída da fronteira. Taxa: 1 peso por 0,22 reais. Fiz bom negócio? Não sei, vou consultar depois o paralelo na Argentina – ainda que, claro, não vamos ter o mesmo preço que Buenos Aires.




Na primeira saída dos guardas, também muito tranquila, perguntei as condições das rutas Hermanas – a chuvarada no Paraná também deve ter caído por aqui. Havia a ruta 14 a se evitar e ouvimos instruções para não passarmos por uma ponte obstruída. Entendi uma coisa, a Fran entendeu outra e o GPS entendeu uma terceira. Erramos. Ou melhor: eu e o GPS erramos, a Fran estava certa e ficou me dizendo “eu te disse, eu te disse” o dia inteiro. Encrenca fácil de arrumar: entramos numa estrada de terra molhada, o carro ficou agora com cara de Suzuki mesmo (pintado de barro), e perdemos talvez uma hora indo e voltando.

Depois de acertarmos o caminho, descobrimos vantagens e desvantagens de sair por Barracão e não por Foz. Sim, é mais perto. Sim, a aduana é mais rápida. Porém: você entra em uma parte da Argentina em que a estrada é mais lenta: mais curvas, mais trânsito, mais pedestres e uma pequena parte de serra. No final das contas, talvez dê elas por elas.

Depois de Posadas, entramos na ruta 12, nossa velha conhecida – uma reta interminável, no meio do campo, com pouco movimento. Aprovamos o conforto do carro, que está inaugurando a primeira expedição. Piloto automático em estrada Argentina é tudo de bom.

Nossa grande diversão na estrada foi ouvir uma rádio de Posadas – programa especial Copa do Mundo. Os jornalistas argentinos estão bem preocupados com a seleção deles – aparentemente, o time não está arrumado, houve muita improvisação na preparação. O tempo todo dizem que Gago tem um problema psicológico. E estão nervosos com o primeiro jogo deles, amanhã. Elogiaram que é uma copa com muitos gols – mas apontaram que o Brasil não está totalmente preparado para um evento deste porte. De todo modo, comentaram que se a Argentina fosse organizar, provavelmente os mesmos problemas aconteceriam. O que foi especialmente divertido é saber que comentarista de futebol é igual em todo lugar do mundo. Há uma seriedade, uma racionalidade, uma gravidade – parece que estão falando de uma doença, não de um esporte.



Dormimos no hotel Marconi (uma boa pechincha achada no trip advisor), comemos em frente ao hotel (primeiro lomo da viagem – estava bom e baratíssimo, R$11,00 o prato). À noite, foi meio difícil dormir – especialmente pra mim (a Fran apagou) – o hotel ficava de frente pra rua e no sábado as coisas são meio agitadas em Resistencia.

sábado, 14 de junho de 2014

Dia 1 – Curitiba – Barracão 600km
13/06/14

Adiantando tudo, correndo como loucos (a Fran ainda enfrentou um dia dos namorados na joana joaninha!), conseguimos sair um dia antes. Parece simples, mas só parece – depois de quatro viagens para os Andes, o nosso check list já passa dos 110 itens. Providencial sair antes: ao invés dos cansativos 1200km de Curitiba a Resistencia, que eu e a Fran já fizemos duas vezes, uma parada antes em Barracão – 600km a menos.

Na viagem, tudo normal: o Brasil continua sendo um lugar tenso e estressante para viajar de carro. Pista simples na maior parte do tempo – o que não é necessariamente um problema, mas acaba sendo quando a estrada é apinhada de caminhões e cheia de curvas. Um adicional: por conta das enchentes, parte da estrada entre Guarapuava e Pato Branco estava interditada e precisamos fazer um desvio em Mangueirinha, o que, com a meia pista e as esperas, nos custou pelo menos uma hora a mais na estrada. Quando que eu achei que iria conhecer Mangueirinha? Quando que alguém achou que ia conhecer Mangueirinha? É preciso uma tragédia na cidade vizinha para Mangueirinha comece a aparecer nos mapas. Em outras palavras: a cidade não existe.

Com o desvio, conhecemos uma das represas da Copel que, depois das chuvas intensas, estava com o vertedouro aberto – um espetáculo, uma força descomunal das águas. Como a estrada passa muito próxima do vertedouro (passa na parte de cima da barragem!), acaba sendo mais impactante que Itaipu.

Vertedouro da Copel


No final do dia, um imprevisto. Depois de mais de 500km de céu de brigadeiro, justamente ao anoitecer, uma tempestade de raios. E uma chuva com ventos fortes chegou nos últimos 40km da viagem. Sorte que já estávamos nos finalmentes, mas assusta, dá uma forcinha para o Red Bull funcionar melhor e chegarmos acordados no fim do dia.

Chegamos em Barracão às 19h – 9h para fazer 600km. Na Argentina, é fácil dar conta dos mesmos 600km em 6h. Chegamos no hotel e o recepcionista estava feliz com a vitória da Holanda sobre a Espanha – acachapantes 5X1! É placar de pelada de praia, não de Copa do Mundo.

Fran no quarto do hotel.


Finalmente, o quarto do hotel, o primeiro. E eu sempre me lembro daqueles quartos do Hopper, daqueles personagens tão sozinhos, tão livres, tão modernos. Impressão pessoal: Hopper é o grande pintor norte-americano. Warhol é meio óbvio pra mim, aquelas latas de Coca-Cola, a cultura do consumo escancarada – não sei, tenho certa implicância, parece que falta sutileza. Pollock tem beleza plástica incomparável, mas o que se diz parece que não se lê. Hopper é uma escolha mais conservadora, eu sei, mas, ainda assim, essencial: a América não é o sintoma do consumo nem a apologia da abstração. Em Hopper, a América é o sintoma do vazio, daquela solidão transcendente das escolhas individuais, o homem livre das tradições. O tema da viagem é um segundo plano constante em Hopper: o posto de gasolina, o hotel,  o café, o bar – as pessoas não moram, estão de passagem, estão em trânsito. Os vínculos são menos importantes que as escolhas.

Quarto de hotel - Hopper