Dormimos
até mais tarde, até o limite do tempo do café da manhã – é preciso descansar. O
dia anterior foi puxado demais. Descobrimos com o guia da Lonely Planet que o
bairro de San Jeronimo, onde estamos, é um bairro cool, fora do eixo mais
turístico da cidade, bonito, autêntico e que vale a pena ser visitado. Com
isto, ficamos mais calmos – não é preciso estar próximo da Plaza de Armas para
se aproveitar Cusco.
A foto clássica na Plaza de Armas de Cusco. |
De
táxi, começamos a explorar a cidade pelo centro histórico. O taxista tem cara da
selva amazônica, o rosto é negro e é índio, ele vem de Porto Maldonado, que
fica na fronteira com o Acre. No rádio, música brasileira ruim – mas o
português dos autofalantes do carro me chamou a atenção e puxei papo. O menino
estuda direito em Cusco, curso que aqui dura seis anos. Ele dirige um Suzuki
minúsculo (marca que no Peru é tão popular quanto no Chile, talvez pela
facilidade de importação pelo Pacífico), caindo aos pedaços e com um cobertor
sobre o painel frontal, abaixo do para-brisa.
Qoricancha, tempo do sol dos Incas - e uma igreja espanhola construída em cima. |
A perfeição dos encaixes incas. Tudo a prova de terremotos. Dentro das pedras, há encaixes como os de um quebra-cabeca. |
O
cobertor, que evita que o painel entre em ebulição com o calor cuzquenho de
inverno que nos surpreende de dia, vivia caindo e de tempos em tempos, como um
tique nervoso, ele tira a mão do volante e puxa o cobertor. Fiquei pensando se
no Peru não está acontecendo o mesmo problema que no Brasil: o ensino superior
ficou mais acessível, mas não houve desenvolvimento suficiente na economia para
absorver a quantidade de novos bacharéis. No caso do direito, hoje o Brasil é o
país que mais tem bacharéis do mundo – muitos não vão nunca passar no teste da
OAB e a grande maioria vai trabalhar em outras profissões. Como taxista, por
exemplo. É de se pensar se uma população com mais tempo de estudo não é melhor
para qualquer país – uma justificativa para mais universidades. Mas o ideal não
seria o superior técnico? O Brasil ainda vê com preconceito este tipo de ensino
– mas é o padrão do superior (depois do
médio) na Europa.
Fran feliz no artesanato de San Blás. |
Você vai andando por Cusco e acha estes pátios espanhóis em todo o canto. |
Cusco
é a cidade mais bonita do Peru – difícil pensar diferente. O centro histórico é
magnífico. E o contraste violento (violência é uma palavra-chave para se
entender o Peru) entre a civilização Inca e a Espanhola está visível em todos
os lados. Talvez a gente não perceba tanta violência na colonização portuguesa
no Brasil porque aquilo que é visível para nós o tempo todo fique invisível. Ou
porque a tipologia da violência do Brasil que permaneceu é de outra natureza: a
escravidão – não está na arquitetura da cidade, mas na brutalidade das relações
sociais, mais difícil de ser apreendida aos olhos de viajante. Ou porque aqui
havia de fato um império e o choque entre impérios é mais traumático e visível
– como entre mouros e cristãos. De um jeito ou de outro, é chocante.
Ladeiras de San Blás, já anoitecendo. |
Começamos
o dia no Qoricancha, o antigo templo de cerimônias inca. Hoje, há uma igreja
católica exatamente sobre o templo – a mesma coisa que os espanhóis fizeram com
as mesquitas, depois da expulsão dos árabes. Tudo aquilo que se diz sobre os
incas é verdade – comparando com os demais povos indígenas do continente, o
desenvolvimento é mesmo impressionante, em vários aspectos. Há tecnologia,
arquitetura, arte, culinária, complexa hierarquia social, estradas, um império
gigantesco que abrange quase todos os limites dos Andes. Mas há uma armadilha
que é fácil cair aqui (e que é induzida o tempo todo por guias e pelos museus
de Cusco): pensar que os incas eram anjos, os espanhóis os demônios e eis uma visão
completamente equivocada da história. É bom lembrar, para começo de conversa,
que os próprios incas também eram conquistadores e também montaram seu próprio
império, com armas e sangue.
No centro histórico de Cusco. |
No
museu do Qoricancha, um quadro compara a religião cristã com a inca. E outro
compara a filosofia ocidental com a inca. É um panfleto para se ter ódios do
europeus – quanto à violência, é difícil discordar e não se compadecer do massacre
que aconteceu. Mas, como todo panfleto, é uma caricatura, uma simplificação
grosseira e uma peça de propaganda. Por exemplo, no quadro comparativo, a
ciência ocidental é vista somente como um modelo de dominação da natureza – e
não, também, como uma forma bastante poderosa e eficiente de explicação de
mundo. Uma criança ocidental, ainda no primário, é capaz de entender
cientificamente por que uma chuva ocorre. Mas para os incas, era uma questão
exclusivamente mística e crianças foram sacrificadas aos montes para que os
deuses fizessem chover. Em tempos em que, no ocidente, é proibido comparar
civilizações – ainda um mea culpa de
toda a violência do eurocentrismo – é o caso de se perguntar se, tivessem
contato com uma explicação racional do mundo, os sacrifícios (ainda comuns na
África) continuariam acontecendo no mundo não ocidental.
Todos
aqueles ocidentais que idolatram as civilizações não ocidentais deveriam se
perguntar por que permanecem ocidentais. Em uma aula do mestrado da filosofia, um
debate, um aspecto não filosófico, mas importante na comparação de
civilizações: eram os alemães da Berlim comunista (aquela que se autoproclamava
o paraíso na terra) que tentavam pular o muro e não o contrário. O fato é que
faz parte da natureza humana fazer comparações e, como humanos, são os índios
que desejam o ocidente e não o ocidente que deseja morar com os povos da
floresta. É uma discussão difícil – o ocidente é multifacetado, e as guerras e
as religiões ocidentais dos séculos passados não são as mesmas do presente. O
erro parece acontecer em duas frentes: infantilizar a história e simplificar o
que significa ser ocidental.
Noite em San Blás. |
Antes
do Qoricancha, fomos para o museu de arte popular (uma bela amostra do
artesanato cusquenho), almoçamos no Ciciollina (um explêndido restaurante
italiano, no coração do centro histórico) e subimos as maravilhosas ladeiras de
São Blás, até encontrarmos a igreja. De lá, voltamos a pé pelo centro
histórico, passamos novamente pela Plaza de Armas e avançamos até quase o
mercado San Pedro, passando por muitas igrejas – como na colonização brasileira
em Minas, há pencas de igreja. Voltamos tudo, jantamos no Sara (eu comi uma
sopa de verduras, já melhor) e desmaiamos no hotel.
Ola, estou me programando para fazer esta viagem a Machu Picchu de carro, tem alguma dica ou cuidado a ser tomado? Sabe me dizer mes de dezembro e tranquilo?
ResponderExcluirDevo fazer o roteiro (Corumba/ La Paz/ Cusco/ Arequipa/ Iquique/ Uyuni/ San Pedro/ Salta/ Foz Iguacu)
Ola, estou me programando para fazer esta viagem a Machu Picchu de carro, tem alguma dica ou cuidado a ser tomado? Sabe me dizer mes de dezembro e tranquilo?
ResponderExcluirDevo fazer o roteiro (Corumba/ La Paz/ Cusco/ Arequipa/ Iquique/ Uyuni/ San Pedro/ Salta/ Foz Iguacu)
Olá, expedição Elohim
ResponderExcluirTudo bem? Veja, nós tentamos fazer a viagem de carro no ano passado, mas nos acidentamos no Paso de Jama, por conta da altitude (acabei perdendo a consciência quando estávamos a quase 5000m). Então a primeira dica é: muito cuidado com a altitude, especialmente no roteiro San Pedro-Salta. Tomem chá de coca, muito líquido e, preferencialmente, tenham mais de um motorista - para descansar. De resto, uma super dica é dar uma olhada no site Viajando de Carro, que recentemente fez um roteiro parecido com o de vocês: http://viajandodecarro.com.br/ Abraços.