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Fila da gasolina em Puerto Iguazu |
Dia 2 23/12/2011 Um dia de cão
É de Thomas Mann uma perspicaz
reflexão sobre a relação da memória do tempo com as nossas impressões de mundo.
O tempo tedioso demora a passar – mas, a sua lembrança, se ainda presente no
futuro, é insignificante. O tempo em que nos maravilhamos é o exato oposto –
enquanto o vivemos, tudo é rápido como uma faísca; e a sua lembrança é aquela
que fica na memória, persiste, alonga-se. Eu acrescentaria uma terceira
categoria: o tempo da memória da tensão, em que o presente nos faz passar por
provações. Para o nosso desespero, o tempo marcha muito devagar quando estamos em
um dia ruim. E, sabemos bem, este tempo arrastado não se perde: a lembrança é
cristalina, persistente, imortal. Dia 23/12 foi assim para a nossa jornada -
dia ruim, dia de provações.
Começou com uma boa notícia, que
não chegou a se confirmar como bom presságio: ganhamos uma hora - a Argentina
não adotou o horário de verão. Acordamos às 7h e eram 6h. Quando descemos para
o café da manhã, 15 minutos antes de as copeiras do hostel aprontarem as meia
lunas, torradas, dulce de leche e um café forte (que só é forte porque estamos ao
lado da fronteira do Brasil – o café hermano geralmente é fraco e ruim), o
pessoal nos olhou de cara feia, olha aí a turistada desrespeitando as regras.
Saímos cedinho, mas não ganhamos
tempo algum – precisávamos abastecer e, primeiro contratempo, uma enorme fila
de carros brasileiros congestionava o posto YPF da saída de Puerto Iguazu. Tudo
para ganhar R$ 0,30 por litro (em relação ao preço de Foz) – é o tipo de
situação, somada ao tradicional verão de 40° da província de Missiones, em que
é fácil o cérebro derreter e você desejar a pior coisa do mundo para a
humanidade.
Depois do exercício chinês de
paciência (uma hora perdida na fila – sintam pena da gente, estamos carentes),
começamos as rutas que margeiam o rio Uruguai com tranquilidade. Dia claro,
poucos carros, parecia que iríamos vencer os 1.100km até Rosario com o pé nas
costas. Mas, aos poucos começamos a perceber uma operação de guerra. A Argentina
montou uma mega ação policial para o Natal. Havia polícia a cada 50km. Surpreendentemente,
não foi a polícia que nos incomodou. Novamente, ninguém nos pedia nada ou quase
nada. Foram até educados e calorosos! Um guardinha de Ushuaia quase chorou
quando dissemos que estávamos indo para lá. A questão, definitivamente, não era
a policia. O problema era a razão da polícia estar ali.
Nós nos acostumamos a pegar as
rutas Argentinas em dias normais ou excepcionalmente calmos, mas não as datas
problemáticas, como a véspera de Natal. E, apesar de ainda muito mais tranquilo
que no Brasil, não conseguimos a média de velocidade que pretendíamos.
Para piorar, a partir do meio da
tarde e até o destino final, nos acompanhou uma torrencial chuva dos trópicos,
com céu iluminado por uma tempestade elétrica e rajadas de vento de envergar as
árvores. O volante puxava para a direita – a fúria da natureza nos testava. A
pista estava escorregadia, poças de água desafiavam a perícia dos três
motoristas do carro, que se revezavam apreensivos. Na tela do GPS, o tempo de
chegada ia aumentando sem parar e não havia nada que pudesse reverter o quadro.
Cogitamos de tudo: parar em uma cidade anterior; para, descansar e seguir em
frente; e, finalmente, a decisão que escolhemos: seguir até Rosario, mas tirar
um dia de descanso por lá. Chegamos depois de 18h ininterruptas na estrada, às
2h da manhã na cidade em que Messi e Che Guevara nasceram. E desmaiamos no
Hotel La Paz, no merecido sono dos motoristas justos.
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